segunda-feira, 3 de março de 2014

Do verbo ter saudades.


Nem sei muito bem como começar. Já redigi este texto várias vezes na minha cabeça durante estes dias.
Voltando a trás e recomeçando.

Perdi a minha avó a semana passada. Perdemos. Eu e os cinco bisnetos desta fotografia. Sete netos, quatro filhos, e mais um punhado de família e amigos. Perdemos.

Queria ser capaz de contar ao João toda a minha história com a minha avó, sem deixar nada por dizer. Esta avó que também é dele, e que conheceu, com quem falou, com quem brincou, e que não tarda nada, esquecerá.

Expliquei-lhe da maneira possível para um bebé de dois anos e meio, que a nossa avó tinha ido para o céu. Disse-lhe da forma mais mágica que podia e que acredito. Ele disse-me que a vovó Tala tinha ido para as nuvens, mas ficou preocupado porque ela tinha muletas e não asas. Não João, a vovó ganhou asas, porque é assim quando se morre. Ganha-se asas. E voa-se mamã? Porque o céu é longe e muito alto. Isso filho, voa-se para as nuvens. E a avó voou e agora já não a teremos aqui, já não a vemos todos os dias...

E como é que se vive depois?
Depois reaprende-se a viver. Faz-se o luto, chora-se, muito, e acha-se um caminho.

A ordem natural das coisas aconteceu. Não é mais fácil por isso.

E então João, a avó. A avó Natália foi daquelas avós dos livros. Daquelas que tem todos os atributos bons. A grande matriarca da família. A que tem o poder de ser o elo de ligação entre todos, aquela que impõem respeito sem falar, que atrai sorrisos sem se rir e que transforma em amor as relações que cria.

A avó foi avó da mamã, do tio Miguel, da Marta e da Vera e do André, durante muito tempo. Andou connosco às costas, levou-nos para o campo, apanhou pêssegos amarelos da árvore e descascou-os para nós. Deixou-nos apanhar girinos na presa e construiu-nos cabanas, prendendo cobertores nos rancos mais baixos das árvores. Apanhou-nos flores amarelas e fizemos colares. Nos finais dos dias de verão, trazia-nos de volta para casa vindos do campo. Sujos e queimados do sol, cansados e eufóricos. O André vinha no carro de mão. Trazíamos batatas, hortaliças, fruta e um monte destas memórias. Cantávamos lengas lengas que sei de cor até hoje.

Em casa dava-nos o lanche que preferíamos. Encobria as nossas asneiras. Trazia da loja as lambarices que cada um gostava. Lembro-me de ela ter sempre para mim ameixas ou cerejas mesmo antes de as ver à venda noutro lado qualquer. Fazia a melhor massa do mundo. Gingava os horários de almoço da escola de cada um de nós, respondendo a todos e aliviando as nossas mães.

Nunca mas nunca se esquecia de ninguém. Tinha sempre o presente de Natal, de anos, de Páscoa... Nunca se esquecia que eu gostava das amêndoas roxas.

E de ti. Amava-te de maneira igual. Perguntava por ti, filho, a cada conversa. Telefonava se estavas doente e se estavas bem. Pegou em ti quando apenas tinhas dias. Assistiu a todos os teus aniversários e ao teu batizado. Tenho fotos para te mostrar. Guardei os cartões que ela escreveu e que acompanhavam os presentes. Brincava contigo e tu com ela.

E de resto a avó Natália foi a mamã da vovó Ana Maria. Já viste João? A sorte que temos destas avós? Não sei se sabes agora, mas já perceberás mais à frente que,  temos o maior amor do mundo a cuidar de nós.

Agora andamos tristes, chorosas, mais caladas..., mas é só porque temos muitas saudades da avó e não a vamos poder ver quando quisermos, nem falar com ela, nem tão pouco receber os telefonemas de todos os dias… aprenderemos a viver assim, mas não é fácil.

Continuaremos a ir a cada da avó, porque temos lá muito amor à nossa espera. As tias, o primo, as primas e todos. Alimentaremos o que avó nos deixou. Esta coisa da família. Teremos Natal, e fim de ano, e festas e S. João e aniversários. E tudo.

A ti, prometo-te que replicarei todas as coisas que a avó Natália me ensinou. Tenho a certeza que a vovó Ana Maria fará o mesmo. E tu, apesar de teres tido pouco tempo útil para conviver com ela, verás que foi um privilégio. As memórias, cá estarei eu para tas criar.

Até já avó. Vamos ter tantas saudades tuas.

2 comentários:

  1. Eu já passei pela perda de 3 quase de uma vez... como se tivesse sido combinado. Nunca tive de o explicar mas a avó que cá ficou, a mais importante na minha vida, um dia também deixará de cá estar e eu também vou ter de explicar e juro que não consigo sequer pensar nisso. Ler o teu texto deixou-me com um nó na garganta mas não podia deixar de engolir as lágrimas e escrever isto para te deixar um abraço sentido. Muita força.

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  2. Lo siento de corazón. No sabes lo que he llorado leyendo este post. Yo sola en la cama. Porque me yo también perdí a mi abuela solo 4 días después de nacer Enzo y mi pena es que ella no lo pudo conocer. Incluso ahora mientras te escribo esto las lágrimas me vienen a los ojos.

    Esto no se supera. Nunca. Yo por lo menos. Pero se aprende a vivir así y conforme pasan los días se va siendo capaz de recordar en vez de con lágrimas con una sonrisa en la cara.

    Yo cada noche cuando acuesto a Enzo siempre le digo " feliz sueños y un besito para la bisabuela que te cuida desde el cielo".

    Lo siento de verdad.

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